24 de maio de 2015

O SAL E A ÁGUA - conto tradicional, recolhido e publicado por Teófilo Braga

Imagem em: Kultural Kids - ver!

O Sal e a Água


     Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas, por sua vez, qual era a mais sua amiga. 
     A mais velha respondeu:
     – Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.
     Respondeu a do meio:
   – Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
     A mais moça respondeu:
     – Quero-lhe tanto como a comida quer o sal.
     O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio.

     Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira.
     Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia; foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
     Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso.
     O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda.
     Para as festas do noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito.
     Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que nada comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa porque é que o rei não comia.
     Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
     – É porque a comida não tem sal.
   O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida.
     Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.

Contos tradicionais portugueses do povo português,
recolha por Teófilo Braga, 1.ª ed. – Porto, 1860; 
com várias reedições nos nossos dias 
(utilizámos a ed. da D. Quixote, de 1995, com revisão de parágrafos).